Como já falamos, o desenvolvimento do futebol no Brasil foi marcado por uma organização singular muito importante devido ao tamanho do país e que permanece viva ainda hoje: os Campeonatos Estaduais. E em qualquer site de estatística – uns com mais precisão, outros com fontes duvidosas – é possível achar os campeões de todos os 27 estaduais do Brasil. À primeira vista não parece existir nada de incorreto nessa frase, todo mundo sabe que o Brasil tem 27 unidades de federação. Mas nem sempre foi assim. Enquanto vários estados e territórios foram criados, em um caso especial dois estados viraram um só. E com a fusão da cidade do Rio de Janeiro (Estado da Guanabara) ao restante do Estado do Rio de Janeiro em 1975, um importante capítulo da história do futebol brasileiro foi deixado às traças em algum arquivo da FERJ. Conheça agora um pouco da história do Campeonato Fluminense, o estadual esquecido.
Para falar do Campeonato Fluminense, primeiro é preciso lembrar das aulas de história e geografia. Em 1834 a cidade do Rio de Janeiro era capital do Brasil e da província do Rio de Janeiro, quando o governo imperial decidiu que a capital nacional seria Município Neutro. Assim, a capital da Província do Rio de Janeiro passou a ser Niterói. Com a República, o Município Neutro passou a se chamar Distrito Federal e a Província, Estado. E com poucas mudanças, essa situação perdurou até 1960 quando, com a inauguração de Brasília, o Rio de Janeiro (a cidade) passou a ser um estado à parte, a Guanabara. E, terminando o resumo do resumo, finalmente em 1975 os estados da Guanabara e do Rio de Janeiro se fundiram, com a capital estadual se mudando de Niterói para a cidade do Rio de Janeiro.
Estado do Rio de Janeiro de 1960 a 1975 (capital Niterói em destaque), cercado pelos seus vizinhos: Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais e… Estado da Guanabara, que tinha apenas uma cidade: o Rio de Janeiro.
Mas depois disso tudo pare e pense com seus conhecimentos futebolísticos agora. O Campeonato Carioca existe desde 1906. O Estado, logo ali do lado, ficaria tanto tempo sem o seu estadual? Claro que não. Ele existiu. E não demorou a começar. Em 1915 a Liga Sportiva Fluminense (LSF) coroaria seu primeiro campeão, o Ararigboya de Niterói. Então por que ninguém se lembra disso? É o que tentaremos explicar agora.
Ararigboya, Parnahyba, Nictheroyense e Odeon:
alguns dos primeiros campeões fluminenses.
O Rio de Janeiro (cidade) era a capital federal na época do desenvolvimento do futebol no Brasil. Era a vitrine do Brasil, e no futebol não foi diferente. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação e do jornalismo esportivo, em pouco tempo as narrações dos jogos do Campeonato Carioca foram as primeiras a atingir o país inteiro. Em todo lugar surgiam flamenguistas, fluminenses, vascaínos, botafoguenses, americanos, e é por isso que o Campeonato Carioca continua a ser o mais assistido no Brasil fora de seu próprio estado. Isso ocorreu na época em que não se podia ver seus times. Mas em um estado isso era possível com menos de 2 horas de viagem. O Estado do Rio de Janeiro.
Canto do Rio de 1947 – o clube mais popular de Niterói conseguiu liberação especial para disputar o Campeonato Carioca a partir de 1941.
A importância do Campeonato Carioca foi arrasadora para o Campeonato Fluminense. Com a proximidade dos grandes clubes da capital, os melhores jogadores iam com maior velocidade para lá. A torcida também. E, em 1941, o clube de maior torcida de Niterói – o Canto do Rio – também conseguiu licença especial para jogar o Campeonato Carioca por ter se profissionalizado (em Niterói todos os clubes eram amadores).
O Campeonato Fluminense se desenvolveu, assim, como um torneio de segundo nível. Por vezes foi interrompido, por vezes foi jogado em chaves regionais. Hoje é difícil chegar a um consenso de todos os campeões fluminenses; quais títulos eram estaduais, quais não eram? A própria página da FERJ não é esclarecedora nesse ponto, só falando de campeões a partir de 1952 (mesmo assim divergindo de fontes confiáveis – ATUALIZAÇÃO DE 2018: os campeões fluminenses foram retirados do site da FERJ).
Adrianino, Friburgo, Frigorífico e Coroados.
Quando ocorreu a fusão em 1975 a disparidade das equipes da capital e do interior era tão grande que o Campeonato Fluminense foi mantido separado até 1978. A partir de 1979, já com um estadual só, nunca um time de fora do Rio de Janeiro conseguiu ser campeão. E, se alguns times campeões do interior como Americano (Campos), Goytacaz (Campos) e Serrano (Petrópolis) lutam a duras penas para manter o funcionamento, todos – sim, todos mesmo – os campeões de Niterói, que é do lado do Rio, optaram com o tempo por largar o futebol profissional (ATUALIZAÇÃO DE 2018: o Canto do Rio, depois de anos inativo, voltou aos gramados este ano na 4ª divisão).
Manufatora, Icaraí, Barreto, Gragoatá, Eletrovapo e Elite:
todos clubes extintos de Niterói.
Esse fato, entretanto, não justifica rasgar essa página da história do nosso futebol. Por isso, segue abaixo alguns dados do campeonato.
Fases do Campeonato:
Como também ocorreu no município do Rio, desde o primeiro Campeonato Fluminense, organizado pela já mencionada LSF, até o último, já pela FFD (Federação Fluminense de Desportos), várias ligas e federações surgiram pelo caminho.
Sapucaia, Aliança e Rio Branco de Campos
A LSF foi de 1915 a 1924. Depois veio a fase da AFEA (Associação Fluminense de Esportes Athleticos), até 1933. Durante essa fase, a AFEA organizou entre 1928 e 1931 apenas campeonatos entre seleções das ligas municipais. Nesses anos, o clube campeão da liga municipal que vencesse o estadual de seleções ganhava o título de representante do estado. Isso era igual a ser campeão estadual? Boa pergunta. Em 1932 e 33, não houve realização da disputa entre ligas, e o direito de indicar o representante do estado permaneceu com o último campeão: Niterói. Esse mesmo sistema permaneceu na fase seguinte, da FFE (Federação Fluminense de Esportes), de 1934 a 1940.
Central, Royal, Barra Mansa e Barbará.
Por fim, surgiu a FFD, que organizaria o campeonato de clubes de 1941 até o seu fim em 1978. Mas o começo foi difícil: entre 1947 e 1951, o campeonato voltou a ser entre seleções municipais, e dessa vez sem a premissa de indicação de um clube representante do estado.
Última ressalva: lá no finalzinho da sua existência, de 1976 a 1980, a FFD ainda organizaria as únicas edições de uma Segunda Divisão do Campeonato Fluminense.
Maiores Campeões:
Como foi dito, a contagem varia muito. Houve épocas em que o campeonato era disputado por seleções municipais e o município campeão indicava o clube representante do estado, por exemplo. Mas, considerando só títulos estaduais de clubes ou mesmo somando-se os títulos como representante do estado, essa honra fica com Goytacaz e Americano de Campos e Byron de Niterói, todos com 5 ou 6 títulos dependendo da conta.
Goytacaz, Americano (escudo antigo) e Byron:
os grandes campeões
No link abaixo, você pode baixar um arquivo com estatísticas dos Campeonatos Carioca e Fluminense, com campeões ano a ano, número de título dos clubes e fases do estadual.
Campeonato Carioca-Fluminense
Arquivo de Excel
Maiores Clássicos:
Capital:
BYRON – FLUMINENSE DE NITERÓI – YPIRANGA
A “trinca vovô”. Os primeiros clássicos de Niterói, das décadas de 1910/30 (Ypiranga e Fluminense ainda entrariam fortes na década de 1940). Byron e Ypiranga foram extintos há bastante tempo, mas o Fluminense pelo menos ainda existe como clube social. Reúne os maiores campeões da cidade, também.
CANTO DO RIO – FONSECA
O clássico da “traição”. Maior rivalidade da cidade a partir da década de 1940, a torcida do Fonseca, clube popular e que foi o maior campeão da cidade após a decadência da “trinca vovô” citada nos clássicos acima, acusava o Canto do Rio de trair Niterói por jogar no Campeonato Carioca. O Canto do Rio, por isso, ganhou apenas 1 Campeonato Fluminense (ganhou mesmo? – foi representante do estado). Ambos ainda existem, e estavam licenciados, mas o Canto do Rio voltou às atividades em 2018.
Campos:
GOYTACAZ – AMERICANO
“Goytacano”, o clássico dos maiores campeões e o único em que os dois times se mantiveram firmes nas disputas até hoje, com percalços, rebaixamentos, mas sem interromper as atividades. É para muitos o maior clássico fluminense.
Petrópolis:
SERRANO – PETROPOLITANO
A serra também tinha seu clássico, em Petrópolis. Além dos dois, outro rival da cidade era o Cascatinha, mas este não conquistou nenhum título. De todos, o Serrano ainda sobrevive no futebol federado.
E os novos clubes do interior?
Fora Americano e Goytacaz, onde estavam os clubes do interior que aqueles que acompanham o Campeonato Carioca conhecem de cor e salteado hoje? A maioria foi fundada após essa fase, já pensando em disputar o Campeonato Carioca unificado. O Volta Redonda é uma exceção por poucos anos, é de 1976, mas não vivenciou a história do Campeonato Fluminense. Outros exemplos a serem citados: Friburguense (1980), Cabofriense (1997), Macaé (1990), Boavista de Saquarema (2004).
Fontes:
Futebol Nacional: Campeonato Fluminense de Clubes, Seleções e Citadinos
RSSSF: Campeonato Fluminense
RSSSF: Campeonato Fluminense de Seleções
RSSSF: Campeonato Fluminense da Segunda Divisão
CAMPEONATO CARIOCA (1) | CAMPEONATO FLUMINENSE (1) | |
2009 | Flamengo | |
2008 | Flamengo | |
2007 | Flamengo | |
2006 | Botafogo | |
2005 | Fluminense | |
2004 | Flamengo | |
2003 | Vasco da Gama | |
2002 | Fluminense | |
2001 | Flamengo | |
2000 | Flamengo | |
1999 | Flamengo | |
1998 | Vasco da Gama | |
1997 | Botafogo | |
1996 | Flamengo | |
1995 | Fluminense | |
1994 | Vasco da Gana | |
1993 | Vasco da Gama | |
1992 | Vasco da Gama | |
1991 | Flamengo | |
1990 | Botafogo | |
1989 | Botafogo | |
1988 | Vasco da Gama | |
1987 | Vasco da Gama | |
1986 | Flamengo | |
1985 | Fluminense | |
1984 | Fluminense | |
1983 | Fluminense | |
1982 | Vasco da Gama | |
1981 | Flamengo | |
1980 | Fluminense | |
1979 | Flamengo e Flamengo * (2) | |
1978 | Flamengo | Goytacaz |
1977 | Vasco da Gama | Manufatora |
1976 | Fluminense | Central |
1975 | Fluminense | Americano |
1974 | Flamengo | Sapucaia |
1973 | Fluminense | Barbará |
1972 | Flamengo | Barbará |
1971 | Fluminense | Central |
1970 | Vasco da Gama | Central |
1969 | Fluminense | Americano |
1968 | Botafogo | Americano |
1967 | Botafogo | Goytacaz |
1966 | Bangu | Goytacaz |
1965 | Flamengo | Americano |
1964 | Fluminense | Americano e Eletrovapo* |
1963 | Flamengo | Goytacaz |
1962 | Botafogo | Fonseca e Rio Branco* |
1961 | Botafogo | Fonseca e Rio Branco* |
1960 | América | Fonseca e Goytacaz* |
1959 | Fluminense | Fonseca |
1958 | Vasco da Gama | Manufatora |
1957 | Botafogo | Fonseca, Adrianino e Goytacaz* |
1956 | Vasco da Gama | Serrano, Coroados e Campos* |
1955 | Flamengo | Frigorífico e Goytacaz* |
1954 | Flamengo | Coroados e Americano* |
1953 | Flamengo | Barra Mansa, Goytacaz, Fonseca e Barra Mansa* |
1952 | Vasco da Gama | Adrianino |
1951 | Fluminense | Adrianino |
1950 | Vasco da Gama | Adrianino |
1949 | Vasco da Gama | Cascatinha |
1948 | Botafogo | Cascatinha |
1947 | Vasco da Gama | Americano |
1946 | Fluminense | Internacional |
1945 | Vasco da Gama | Serrano |
1944 | Flamengo | Petropolitano |
1943 | Flamengo | Icaraí |
1942 | Flamengo | Royal |
1941 | Fluminense | Icaraí |
1940 | Fluminense | Goytacaz e desconhecido |
1939 | Flamengo | Americano |
1938 | Fluminense | Fluminense de Niterói |
1937 | Fluminense | Alliança |
1936 | Fluminense e Vasco da Gama * | Alliança |
1935 | América e Botafogo * | Ypiranga |
1934 | Botafogo e Vasco da Gama * | desconhecido |
1933 | Botafogo e Bangu * | Canto do Rio |
1932 | Botafogo | Fluminense de Niterói |
1931 | América | Ypiranga |
1930 | Botafogo | Ypiranga e Fluminense de Niterói |
1929 | Vasco da Gama | Ypiranga |
1928 | América | Ypiranga |
1927 | Flamengo | Gragoatá |
1926 | São Cristóvão | Elite |
1925 | Flamengo | Byron e Serrano* |
1924 | Fluminense e Vasco da Gama * | Byron e Byron* |
1923 | Vasco da Gama | Barreto |
1922 | América | Byron |
1921 | Flamengo | Barreto |
1920 | Flamengo | Fluminense de Niterói |
1919 | Fluminense | Fluminense de Niterói |
1918 | Fluminense | Nichteroyense |
1917 | Fluminense | Odeon |
1916 | América | Parnahyba |
1915 | Flamengo | Ararigboya |
1914 | Flamengo | |
1913 | América | |
1912 | Botafogo e Paysandu * | |
1911 | Fluminense | |
1910 | Botafogo | |
1909 | Fluminense | |
1908 | Fluminense | |
1907 | Fluminense e Botafogo | |
1906 | Fluminense | |
Contagem de títulos | ||
Obs.: *Dois campeonatos no mesmo ano; (1) Etapas do Campeonato Carioca: 1906/60, Camp. Metropolitano; 1952/78, Camp. do Estado do Rio de Janeiro (que não incluía a cidade do Rio de Janeiro); 1961/78, Camp. do Estado da Guanabara; 1979/…, Camp. do Estado do Rio de Janeiro (unificado); (2) Apesar da unificação do estado em 1975, as duas federações (FCF/GB e FFD/RJ) só se uniram, virando FFERJ, em 1979. (3) Em azul, títulos estaduais antes da fusão das federações. (4) Em verde, títulos depois da fusão. (5) Em vermelho, representantes do Estado indicados após campeonatos disputados por seleções municipais. | ||
Flamengo (Rio de Janeiro) 31 (18/13) | Goytacaz (Campos) 9 (8/1/0) | |
Fluminense (Rio de Janeiro) 30 (23/7) | Americano (Campos) 8 (6/2/0) | |
Vasco da Gama (Rio de Janeiro) 22 (14/8) | Fonseca (Niterói) 6 (6/0) | |
Botafogo (Rio de Janeiro) 18 (14/4) | Fluminense (Niterói) 5 (2/3/0) | |
América (Rio de Janeiro) 7 (7/0) | Ypiranga (Niterói) 5 (0/5/0) | |
Bangu (Rio de Janeiro) 2 (2/0) | Byron (Niterói) 4 (4/0) | |
São Cristóvão (Rio de Janeiro) 1 (1/0) | Adrianino (Eng°. Paulo de Frontin) 4 (3/1/0) | |
Paysandu (Rio de Janeiro) 1 (1/0) | Serrano (Petrópolis) 3 (3/0) | |
Central (Barra do Piraí) 3 (3/0) | ||
Manufatora (Niterói) 2 (2/0) | ||
Barra Mansa (Barra Mansa) 2 (2/0) | ||
Rio Branco (Campos) 2 (2/0) | ||
Icaraí (Niterói) 2 (2/0) | ||
Coroados (Valença) 2 (2/0) | ||
Barbará (Barra Mansa) 2 (2/0) | ||
Barreto (Niterói) 2 (2/0) | ||
Alliança (Campos) 2 (0/2/0) | ||
Cascatinha (Petrópolis) 2 (0/2/0) | ||
Campos (Campos) 1 (1/0) | ||
Petropolitano (Petrópolis) 1 (1/0) | ||
Royal (Barra do Piraí) 1 (1/0) | ||
Frigorífico (Mendes) 1 (1/0) | ||
Eletrovapo (Niterói) 1 (1/0) | ||
Sapucaia (Campos) 1 (1/0) | ||
Ararigboya (Niterói) 1 (1/0) | ||
Elite (Niterói) 1 (1/0) | ||
Gragoatá (Niterói) 1 (1/0) | ||
Nichteroyense (Niterói) 1 (1/0) | ||
Odeon (Niterói) 1 (1/0) | ||
Parnahyba (Niterói) 1 (1/0) | ||
Canto do Rio (Niterói) 1 (0/1/0) | ||
Internacional (Petrópolis) 1 (0/1/0) |
Show pessoal, futebol é história!
Caramba, que interessante, nem tinha idéia…