Todo o poder ao VAR

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A sala de vídeo da NHL que manda mais que o árbitro (e funciona!)

Na última quarta, um lance gerou polêmica na Libertadores: a anulação do gol do River Plate contra o Vélez – e que levaria o jogo aos pênaltis. Isso porque a decisão, embora correta, foi “forçada” ao juiz de campo pelo VAR, um procedimento considerado inadequado.

Porém, enquanto é chavão no meio da arbitragem que a decisão deve sempre permanecer com o árbitro de campo, eu vou nadar contra a corrente: se o VAR for bem treinado, economizaria muito tempo e treta se a decisão de toda revisão fosse diretamente dele.

E vou mostrar isso com um exemplo que vai além: o VAR centralizado na principal liga de hóquei no gelo do mundo. Confira na sequência.

Eu já fiz um texto aqui contra esse argumento corrente de que a autoridade do árbitro deve ser respeitada: o árbitro é importante, mas existe só por que o jogo não se apita sozinho. O que é fundamental mesmo no futebol – e qualquer esporte – são os atletas.

E nesse mesmo texto eu já citava o caso da NHL, a liga de hóquei do Canadá e dos Estados Unidos, como exemplo. Hoje, então, vamos dar uma olhada mais a fundo em como funciona esse sistema.

Por lá, após o início da arbitragem de vídeo in loco, decidiram em 2002 testar um sistema centralizado. A estrutura para isso, porém, não era simples, e a Situation Room, também apelidada de War Room, só foi inaugurada na temporada de 2011-12.

Com clima de distopia de vigilância totalitária a la George Orwell, a sala é composta por diversões telões em todos os lados com acesso a todas as câmeras em qualquer jogo.

Localizada em Toronto, todas as revisões de partidas, não importa onde elas ocorram, são tomadas lá. Inclusive, a sala atende a até dez jogos simultâneos – isso porque a liga não precisa de mais do que isso.

Nela, há um analista / técnico de imagem dedicado exclusivamente a cada jogo. Mas ao menor sinal de lance duvidoso, são acionadas as pouquíssimas pessoas capacitadas para dar o veredito final: são apenas quatro (que podem ser auxiliados por um também seleto grupo de árbitros que se aposentaram do gelo).

É claro que um jogo de hóquei tem suas particularidades: o número de lances que necessitam de revisão detalhada por jogo é baixo (menos do que um a cada dois jogos). Também é um jogo que trabalha com desafios (ou pedidos do próprio árbitro), ao invés de revisar cada gol.

Mas o hóquei tem uma similaridade com o futebol, que é a presença de regras interpretativas.

A War Room começou tendo a palavra final apenas em lances objetivos, tal qual o VAR pode dar o veredito sobre impedimentos claros no futebol. Porém, com o tempo, chegaram à conclusão que era melhor mandar os interpretativos para lá também, o que foi feito em 2018 após a análise dos pró e contras (o contra era tirar o poder do árbitro; não colou).

Qual a vantagem disso tudo? São três principais.

  • Melhora na imparcialidade:
    A sala é completamente externa ao ambiente de jogo (nem fica em um prédio esportivo), de forma que os operadores sofrem zero pressão de jogadores, técnicos e públicos;
  • Agilidade na análise:
    O juiz de quadra não precisa ver, rever, e ser convencido que errou pelo árbitro que está no vídeo e já identificou o erro;
  • Critérios coesos:
    É muito mais fácil capacitar quatro especialistas (ou uma dúzia, que seja, pensando no futebol brasileiro), que dialogam entre si e chegam num critério claro e único, do que treinar uma equipe enorme e pulverizada de arbitragem; não dá para exigir tanto destes.

Para a Situation Room funcionar, é preciso uma tecnologia impressionante, diga-se. É empregado o melhor em conexão para diminuir o tempo de espera ao máximo: a imagem chega a Toronto, em geral, 15 segundos antes do que na TV da casa do espectador. Mas é um investimento altíssimo em uma estrutura ao invés de várias.

Ah, além disso, eu preciso mencionar que a equipe que trabalha na sala também conta com um time de assessoria de imprensa para disparar o mais rápido possível posts e notas explicando cada decisão que é tomada. Isso além do juiz em quadra já se comunicar com o público presente via microfone. Nada disso de ficar sem entender o que foi marcado.

Para finalizar, esse sistema elimina as polêmicas de arbitragem? É claro que não.

Como já dito, o hóquei tem regras de interpretação, então discordância da interpretação oficial que vem da sala ocorrem, claro. Tem muito torcedor e técnico que fica na bronca depois.

Mas certamente a Situation Room minimiza essas questões a ponto de ser considerado referência internacional, recendo visitas técnicas de dirigentes de diversos países e modalidades. Uma das mais significativas, porém, foi local.

Nos EUA, o futebol americano reina absoluto e deixa o hóquei numa distante quarta ou quinta opção de audiência. A NFL tem tudo para olhar a NHL de cima para baixo. No entanto, eles também já foram lá visitar a War Room do hóquei e saber como podemos trazer isso para nós.

Quanto ao futebol, os números não mentem: apesar dos constantes debates, o VAR diminui a quantidade de erros capitais – e muito. Isso com uma equipe mal treinada, o que causa erros crassos aqui e ali: erros humanos, não da ferramenta.

Talvez a próxima visita ao “Big VAR da NHL” poderia ser da Ifab e da Fifa.


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