Pelé 80 anos: você entende?

A dificuldade atual de entender o fenômeno Pelé

Devido a compromissos pessoais, chegou com atraso a minha homenagem aos 80 anos do Pelé, mas não poderia deixar a data passar em branco.

No programa Troca de Passes (Sportv) de sexta, aniversário de 80 anos do Rei Pelé, fizeram uma pergunta aparentemente simples aos dois comentaristas do dia: Pelé seria o rei do futebol se jogasse nos dias de hoje? Paulo Cesar Vasconcelos, que viu Pelé jogar (esteve presente no estádio no jogo do gol 1.000, por exemplo), respondeu de forma simples: com certeza. Já Raphael Rezende, nova geração, deu uma resposta bem mais profunda que não vou transcrever na íntegra, mas o teor era o que segue.

Que Pelé seria o melhor jogador em atividade, ele não tinha dúvidas. Mas ele realçou que a pergunta tinha outro aspecto que chamava a sua atenção, que era “nos dias de hoje”. Na cultura atual, do imediatismo, mesmo o Pelé fazendo a mesma coisa, batendo recorde atrás de recorde, ganhando três Copas do Mundo, talvez ele não tivesse a aura que teve por ter seu auge em outro momento. É provável que, tão logo parasse, outro “rei” surgisse para a mídia e os torcedores.

Eu já discorri aqui sobre como está difícil entender a magnitude do Pelé enquanto jogador, com inúmeros argumentos anacrônicos tentando minimizar seus grandes feitos. Mas a análise do Raphael Rezende traz embutida nela outro ponto que também está cada vez mais difícil de preservar da memória do que foi o Pelé: todo o fenômeno cultural mundial em torno da sua figura.

Se Pelé parou ou não uma guerra é um dos muitos causos que podem ser questionados em suas minúcias. Mas o fato inquestionável é que Pelé parava cidades, estados, países inteiros para vê-lo jogar. Ele era uma atração mundial.

Anda lado a lado com a crítica também equivocada e anacrônica que muitos dos gols do Pelé foram marcados em amistosos o não entendimento que o Santos passava meses rodando o mundo inteiro fazendo amistosos, porque o mundo inteiro queria (e pagava) para ver o Pelé jogar. E era exatamente isso: a atração era o Pelé, com o time do Santos como coadjuvante.

Numa era sem redes sociais, sem nem ter muitos jogos transmitidos ao vivo pela TV, é ainda mais absurdo pensar na projeção que Pelé tomou. Ele foi aquilo que os Beatles foram para a música. E vale muito para a comparação que ambos, Pelé e Beatles, foram contemporâneos.

Talvez Raphael Rezende esteja certo e aquele foi um período propício para esses fenômenos ganharem projeção – mas isso só o tempo poderá confirmar. O que cabe a nós é, ao invés de tentar menosprezar um legado, tentar entender a importância que ele teve.

O Rei faz 80 anos, mas Pelé é eterno.

Comentários adicionais sobre o infográfico acima: a) os gols pelo Santos são só de partidas em competições, pois o total passa de 1.000 só pelo clube; b) faltou mencionar o fato dele ter sido eleito "Atleta do Século" pelo jornal francês L'Équipe em 1981, pela Reuters em 1999 e pelo COI, também em 1999.