A seleção campeã do mundo é sim francesa

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A assimilação de imigrantes deve ser visto como um mérito do país, não o contrário

Quem aí não recebeu alguma mensagem em redes sociais listando a ascendência dos jogadores da França, a maioria sendo descendentes de imigrantes? O teor dessas mensagens variava entre a valorização dos imigrantes e o questionamento se a seleção era de fato francesa. Bom, para essa última questão, a resposta é simples: claro que sim. Veja por quê.

Há uma grande polêmica no esporte com relação à naturalização de atletas. Muitos países (inclusive o Brasil fez uso disso nas Olimpíadas de 2016 em esportes como o polo aquático) têm naturalizado atletas sem nenhum vínculo com o novo país que defenderão, só pela possibilidade de obter sucesso esportivo. Alguns ficam na zona cinza, como o exemplo na própria Copa de 2018 do lateral Mario Fernandes que, nascido no Brasil, defendeu a Rússia. A relação de Mario com o país começou há apenas 6 anos, já adulto, quando ele foi jogar no CSKA Moscou.

Em outros casos, o processo de naturalização é completamente normal. Nas listas de brasileiros que poderiam atuar por outras seleções na Copa de 2014, aparecia Benny Feilhaber, pela seleção americana. Feilhaber mudou-se com a família para os Estados Unidos com apenas 6 anos, foi criado lá. É um verdadeiro americano. Outro exemplo clássico é o de Lionel Messi: criado na Espanha desde os 13 anos, quem poderia o recriminar caso tivesse escolhido defender a Fúria?

(Nota: o problema de aliciamento de menores por grandes clubes é outro debate importante, tema para outra hora. O único dado que quis trazer aqui é que grande parte da criação de Messi, não só como atleta, mas também como pessoa, foi na Espanha).

Dois jogadores franceses se encaixam no segundo caso: Umtiti nasceu em Camarões e Mandanda na República Democrática do Congo, mas ambos se mudaram com 2 anos de idade para a França. O resto, por mais que muitos sejam descendentes de imigrantes, já nasceram na França. Ou seja, todos, inclusive Umtiti e Mandanda, são franceses legítimos. Qualquer questionamento quanto a isso só mostra o quanto ainda há preconceito com os imigrantes, mesmo seus descendentes, tentando separar quem tem ascendência antiga ou nova em determinado país, quando o importante deveria ser ressaltar que o país os assimilou.

“Ah, mas vai dizer que não tem muita xenofobia na França, um preconceito danado contra imigrantes?” Claro que tem (que país não os têm, não é mesmo, bolivianos, venezuelanos e haitianos no Brasil?). A sociedade francesa não é um mar de rosas e a crise de imigrantes na Europa toda é um fator extremamente relevante nos dias de hoje. Mas questionar se a seleção da França é francesa só reforça esses preconceitos.

O que deve ser questionado é justamente o preconceito que esses franceses passaram em suas vidas e que eles deixem de ser franceses na opinião pública só quando ganham para serem franceses em tempo integral, não importa suas ascendências e, a propósito, sem precisar renegá-las. (Este parágrafo foi adicionado ao texto original depois, mediante conversa com meu amigo André Vidal).

Vamos aproveitar a oportunidade e olhar pelo lado contrário, do exemplo que deu certo, que a assimilação de imigrantes é possível. O sucesso de atletas negros no Brasil como Pelé, claro, não teve força suficiente para resolver o problema do racismo que perdura até hoje. Mas com certeza ajudou a colocar uma grande interrogação no preconceito da sociedade.