Cultura Recomenda – nº 11 (especial)

CORRUPÇÃO NA FIFA – Análise do livro de Andrew Jennings

Dizem que o futebol internacional (e o esporte em geral) enfrenta hoje quatro problemas principais: doping, racismo, manipulação de resultados e corrupção. E é exatamente sobre este último tema que Andrew Jennings discorre no livro “Jogo Sujo – O mundo secreto da Fifa: compra de votos e escândalo de ingressos”. Lemos o livro que a Fifa tentou proibir e na seqüência do post você confere a nossa análise completa.

Jennings, para quem não conhece, é um jornalista investigativo escocês que, após muitos anos de carreira, resolveu levar suas habilidades para o mundo dos esportes. Em três livros sobre as Olimpíadas (The Lords of the Rings, 1992, The New Lords of the Rings, 1996, e The Great Olympic Swindle, 2000), denunciou esquemas de corrupção no alto escalão que terminaram com grandes mudanças dentro do COI – sobretudo após o escândalo de compra de votos para que Salt Lake (EUA) fosse a sede das Olimpíadas de Inverno de 2002.

Então, durante a década de 1990, Jennings resolveu transferir esforços também para o mundo do futebol. E consegue com maestria. Munido de boas referências (fontes e documentos), vemos com clareza como funcionários da Fifa recebem propina por acordos de organização de torneios, eleições internas e contratos de marketing; como membros do alto escalão se beneficiam de suas posições para lucro próprio; como não há transparência na entidade, amparada pela legislação suíça; como a Fifa conduz seus negócios com pouca – ou nenhuma – ética; como a Fifa pouco se importa com política quando tem algum ganho particular, apertando mãos dos piores ditadores como grandes amigos; e, sobretudo, como os executivos da federação usam o sistema com eles próprios para protegerem uns aos outros.

O livro peca apenas em um detalhe: escritor apaixonado, Jennings não consegue dar tons de cinza a nenhuma passagem de seus personagens. Como Sepp Blatter é discípulo de Havelange, encontra no distante inglês Sir Stanley Rous, último presidente da Fifa de oposição (no cargo de 1961 a 1974) um mar de ética, em oposição ao brasileiro.

Esquece, entretanto, que Rous também foi acusado de “armar” a Copa de 1966 para a Inglaterra; que ele beneficiou o Brasil deslavadamente no Chile (1962) quando não suspendeu Garrincha da final (fora expulso na semi) e nos danou fazendo vista grossa à agressão dos adversários em 1966 (quando ganhou em Havelange um desafeto declarado); que se negou a banir a África do Sul por causa do apartheid; que deu as costas ao futebol fora do eixo Europa-América do Sul (Oceania, Ásia e África tinham que brigar entre si por apenas 1 vaga para a Copa de 1966 – todos os países africanos boicotaram em protesto). Havelange, por sua vez, fez coisas boas (o que também é esquecido no livro), como realmente globalizar o futebol.

Entretanto, tendo uma mente crítica e mesmo essas falcatruas todas não sendo nenhuma grande novidade para quem acompanha um pouco mais a fundo o mundo gerencial dos esportes, Andrew Jennings é leitura obrigatória para quem quer entrar nos pormenores dessas operações, pois nos mostra como elas são feitas, embora os nomes citados sejam apenas de uma parcela dos investigados.

E, como o autor faz questão de dizer: o objetivo não é destruir a Fifa, mas devolvê-la aos verdadeiros amantes do esporte.

Algumas autoridades futebolísticas acusadas no livro

– Chuck Blazzer: ianque, secretário-geral da Concacaf, braço direito de Jack Warner. Nunca jogou futebol.

– Horst Dassler: alemão, filho do fundador da Adidas, fundador da ISL e acusado de pagar propinas por favorecimentos em votações e contratos de marketing.

– Jack Warner: trinitário-tobaguense, presidente da Concacaf, acusado de usar sua posição na Fifa para se beneficiar com vendas fraudulentas de ingressos, além de manipular votações.

– Jérome Valcke: francês, atual secretário-geral da Fifa, presidiu uma negociação simultânea com a Visa e a MasterCard em que a Fifa foi condenada na justiça dos Estados Unidos por “extrema falta de ética”.

– Joseph “Sepp” Blatter: presidente da Fifa desde 1998, concorre em junho por uma reeleição, acusado de receber quantias exorbitantes, incluir seus gastos de campanha no orçamento da entidade, condução da entidade sem nenhuma transparência, além de ter conhecimento de todas as negociatas da Fifa e proteger seus aliados políticos (sem provas de recebimento direto de propinas).

– João Havelange: brasileiro, presidente da Fifa de 1974 a 1998 e atual presidente honorário; alega ter deixado de legado uma instituição rica – que pegara pobre – e ter globalizado o futebol, porém pode ser acusado de tudo que seu discípulo Blatter foi, além de ter sido quem colocou o esquema de Dassler e, em especial, da ISL para dentro da entidade.

– Julio Grondona: presidente da AFA (Asociación de Fútbol Argentina); braço direito de Havelange na vice-presidência financeira da Fifa e acusado de antissemitismo em seu país.

– Mohammed Bin Hamman: qatarense, presidente da AFC, acusado de compra de votos a favor de Blatter em 1998 e, indiretamente, para a escolha do Qatar como sede da Copa de 2022; concorre em junho contra Blatter pela presidência da Fifa.

– Nicolás Leóz: paraguaio, presidente da Conmebol, acusado de receber propinas diretamente na Fifa.

– Ricardo Teixeira: presidente da CBF (entidade considerada um centro de corrupção em uma CPI em Brasília), é acusado de receber propinas e usar sua posição de destaque na Fifa para enriquecimento pessoal; genro de Havelange.

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