Matéria Futebol – Política (aula 3)

Colaboração de Vitor Vogas, jornalista da editoria de política de A Gazeta (com trechos divulgados no jornal)

“Queremos sair daqui hoje com os três pontos. Respeitamos o adversário, mas o grupo está bastante unido. Vamos fazer uma bela campanha e conseguir o resultado positivo.” Exceto pelos três pontos – vitória no futebol, mas fracasso total numa eleição –, a declaração acima, dependendo do contexto, poderia ser perfeitamente atribuída tanto a um jogador prestes a entrar em campo para uma partida decisiva quanto a um candidato prestes a entrar em outro campo para uma competição, digamos, menos esportiva.

Na última aula de política da matéria, vamos dar uma repassada no futebol no atual cenário político brasileiro. Afinal, nunca antes na história desse país o futebol esteve tanto na linguagem de Brasília. Siga o post e confira.

A linguagem do futebol no discurso político


Num país onde o futebol é elemento formador da identidade e da cultura popular, fonte inesgotável de expressões que ficam gravadas na linguagem cotidiana, não é de se espantar que a classe política busque se apropriar do jargão futebolístico, tão familiar ao brasileiro comum, para transmitir (ou traduzir) suas mensagens da forma mais acessível ao maior número de pessoas. Assim, pouco a pouco, a linguagem popular do futebol foi abrindo passagem dos vestiários aos comitês de campanha, palanques e gabinetes dos poderosos.

Mas, se é verdade que o fenômeno não é recente, também é fato que, na última década, na figura do presidente Lula (PT), ele alcançou sua máxima expressão. Afinal, nunca antes na história deste país um governante incorporou de tal maneira o futebol ao seu discurso. Fanático pelo Corinthians – coincidência ou conveniência, o time mais popular de São Paulo –, Lula nutre um interesse genuíno pelo esporte. Na juventude, costumava disputar suas peladas nos campos de várzea de São Paulo e, mesmo na presidência, não é raro convocar o ministério para bater uma bolinha na Granja do Torto.

Graças a esse sincero entusiasmo e também a sua reconhecida astúcia, Lula desenvolveu a habilidade de adequar seu discurso político, com a máxima naturalidade, à linguagem do torcedor que discute futebol no bar, de tal modo que suas idéias possam ser prontamente assimiladas por cidadãos de todas as classes sociais e níveis de escolaridade. E, assim, nesse seu tempo de governo, cunhou um repertório de metáforas extraídas do futebol para explicar assuntos tão complexos quanto a política monetária e as relações exteriores do país.

O expediente, é claro, divide opiniões. Para alguns, o emprego das metáforas é abusivo, fere a língua, trai a falta de erudição do presidente e, o que é pior (e perigoso), tende à simplificação excessiva de temas que, simplesmente, não são simples. Exemplo maior foi quando Lula, ao comentar as denúncias de fraude nas eleições presidenciais do Irã, comparou os conflitos entre oposição e situação no país com a rivalidade entre torcidas de futebol. Para outros, porém, as metáforas são extremamente eficazes como estratégia de comunicação de massa, e a inteligência contida nelas estaria exatamente em simplificar temas que, em essência, são complexos.

Positivo ou não, o fato é que o futebolês de Lula aparentemente fez escola. Há inúmeros casos de integrantes do governo do PT que apelaram para o futebol quando confrontados com questões embaraçosas pela imprensa. Na campanha eleitoral, então, tudo indica que será um festival, ainda mais em ano de Copa. Bem treinados pelos marqueteiros, os candidatos deverão se empenhar para absorver o jargão dos boleiros e lançar mão das analogias nos debates e programas de TV. Progressivamente, José Serra (PSDB) já vem fazendo isso. O tucano, aliás, é palmeirense, vejam só que ironia. E até Dilma Rousseff (PT) – que nunca deve ter entrado em um estádio – já arriscou um palpite sobre a convocação de Dunga.

No Espírito Santo, o governador Paulo Hartung (PMDB) também não perde a chance de recorrer a uma boa metáfora. Afinal, também tem origens no esporte, embora, em seu caso, os gols fossem marcados com a mão. Foi assim que, por exemplo, usou uma comparação entre Pelé e Garrincha para explicar a decisão de sair da política no auge. Por sua vez, o deputado e torcedor do Fluminense Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), nesta fase de costuras eleitorais, declarou diversas vezes que se sentia como um técnico, buscando reforços para seu time e os melhores jogadores em cada posição.

Lula e a Seleção:


Na Copa de 2006, quando o assunto do momento era o peso do atacante Ronaldo, Lula fez coro com a torcida e, em videoconferência, perguntou ao treinador Carlos Alberto Parreira quanto a balança apontava. Contrariado ao saber da curiosidade presidencial, Ronaldo partiu para o ataque:

Todo mundo diz que ele bebe pra caramba. Tanto é mentira que eu sou gordo como deve ser mentira que ele bebe pra caramba.

Para tentar amenizar a crise, o presidente enviou ao jogador um fax tirando o “peso” de suas palavras e conseguiu o perdão do Fenômeno. A paz foi selada de vez quando o atacante veio reforçar o elenco do Corinthians, time do coração do presidente. Desde a chegada de Ronaldo, os dois já posaram várias vezes juntos para fotos. Carinhosamente, Lula apelidou o ídolo de “Fofão”.

Já em 2008, durante as Eliminatórias para a Copa, Lula criticou a falta de empenho que via nos jogadores brasileiros e destacou o argentino Messi como exemplo de jogador “raçudo”.

Quando vejo o Messi, na minha opinião o melhor jogador do mundo, perder uma bola, ele sai correndo até recuperar ou fazer falta. Os nossos perdem a bola e cruzam os braços.

A declaração teve péssima repercussão entre os jogadores, e o goleiro Júlio César vociferou contra Lula:

Fiquei triste como cidadão brasileiro, até porque votei nele. Eu li e fiquei muito chateado mesmo. Principalmente quando ele cita o Messi. Acho que ele precisa virar argentino, morar lá na Argentina, renunciar à Presidência, e talvez o Brasil melhore em alguma coisa.

Serra e o Palmeiras


O pré-candidato a presidente José Serra é fã de futebol e, acima de tudo, do Palmeiras. No ano passado, como governador de São Paulo, ele chegou a bater boca com outro torcedor no Palestra Itália (estádio do clube), durante uma partida válida pelo Campeonato Brasileiro. Em 1998, ainda como ministro de FHC, entrou em polêmica com o então treinador palmeirense, Luiz Felipe Scolari, ao criticá-lo publicamente após derrota em casa para o Cruzeiro. Desde então, prometeu que nunca mais daria pitacos no trabalho dos treinadores. Mas, às vésperas da convocação de Dunga (muito embora sem citar o treinador), e já como pré-candidato, não resistiu à tentação de engrossar o clamor popular pela convocação dos “meninos da Vila”:

Eu acho que (devem ser convocados) o trio santista Neymar, Ganso e Robinho, que já está praticamente convocado. A Seleção de 50, que era muito boa, estava baseada no Vasco. Eu não vejo nenhum problema nisso, você basear uma parte importante num time de futebol como o Santos.

Frequentador assíduo do Twitter, Serra também tem usado o microblog para escrever sobre futebol. Em 2009, lamentou a eliminação do Verdão na Libertadores da América:

Ficou fora da Libertadores com dois empates? Que regra mais besta desta competição, meu Deus! E o Obina não podia ter perdido aquele gol aos 41 min. do 2° tempo!

Já no último dia 17 de maio, uma de suas “tuitadas” antecipava a transferência do meia Diego Souza, ex-Palmeiras, para o Atlético Mineiro:

Sortudo é o Atlético Mineiro, que levou o Diego Souza de graça. Um craque.

Frases: o futebol no discurso político:


O Brasil estava naquela época como o time do Corinthians hoje: pesado. Time que ficou assustado com a leveza dos meninos do Santos.

(De Lula, no início do ano, fazendo referência à derrota do Corinthians para o Santos, dias antes, pelo Campeonato Paulista, para declarar nas entrelinhas que os governos anteriores não agiam com simplicidade)

Por que vou mexer com o Palocci? Isso seria a mesma coisa que retirar Ronaldinho do Barcelona. Às vezes, Ronaldinho erra um chute, mas deixe ele jogar.

(De Lula, em 2005, comparando o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ao então melhor jogador do mundo, Ronaldinho Gaúcho, para defender a permanência do aliado, em meio à pressão para que o demitisse por causa do envolvimento dele em um escândalo de corrupção)

Como no futebol, nós não vamos chorar sobre os gols que não marcamos ontem. O que nós vamos fazer é pensar nos gols que nós vamos marcar.

(De Lula, minimizando os problemas do governo, um dia após uma vitória pouco convincente do Brasil sobre a Croácia, na estréia da seleção na Copa de 2006)

Eu não conheço ninguém, além da oposição, que tenha discordado da eleição no Irã. Não tem número, não tem prova. Por enquanto, é apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos.

(De Lula, em junho de 2009, rejeitando as suspeitas de fraude nas eleições do Irã, vencidas pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad)

A tese que defendo é que time que não joga não forma torcida. Mesmo que tome de goleada. Está aí o exemplo no futebol.

(Do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), explicando por que defendia que deveria ser candidato à presidência da República)

Antigamente no futebol tinha o ponta esquerda, e ele ficava isolado porque ninguém jogava bola pra ele. O Brasil não tem esse problema. O Brasil joga no meio de campo e, portanto, recebe bola e passa bola.

(Do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, declarando, após reuniões do BRIC, que o Brasil não tem nenhuma preocupação em ficar isolado por se opor às sanções ao Irã devido a seu projeto nuclear)

Eles vão levar bola nas costas.

(Do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, sobre os países que praticam políticas protecionistas para subsidiar seus produtores agrícolas)

Ele tem de cuidar para não tomar gol dos adversários e, de vez em quando, não tomar gol contra.

(Do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, em advertência ao então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, neste caso comparado a um goleiro)

No chinelo da minha humildade, eu gostaria muito de ver Neymar e Ganso.

(De Dilma Rousseff, que não perdeu a chance de comentar a convocação de Dunga)

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